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História

As Rebeliões dos Patriotas: Quando o Baixo Canadá Pegou Fogo (Quase Literalmente)

As batalhas dos Patriotas em Québec (1837–1838), com história, curiosidades e um toque de humor para entender esse capítulo marcante do Canadá.

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Igreja de Saint Eustache ocupada pelos patriotas. Vê-se as tropas leais ao Governo Inglês atirando contra a igreja.
Tropas leais ao governo Inglês atirando contra os patriotas escondidos na Igreja de Saint Eustache. Par BAnQ - Lithographie de Nathaniel Hartnell d’après un dessin de Lord Charles Beauclerk. — banq.qc.ca - *, Domaine public. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=62481982

19 de maio é a Journée nationale des Patriotes em Québec. Descubra a história das Rebeliões dos Patriotas (1837–1838), com batalhas épicas como Saint-Denis, Saint-Charles e Sainte-Eustache!

Imagine um lugar onde o povo está cansado dos mandos e desmandos de um império distante, onde as ideias de liberdade cruzam o Atlântico e se instalam no coração dos francófonos… Bem-vindo ao Baixo Canadá de 1837! Hoje conhecido como Québec, esse pedacinho rebelde do continente foi palco de uma das mais emblemáticas (e intensas) revoltas da história canadense: as Rébellions des Patriotes.

Quem eram esses tais Patriotas?

Os Patriotas não eram apenas entusiastas da causa — eles eram um partido político! Fundado em 1826 como Parti Patriote, liderado por ninguém menos que Louis-Joseph Papineau (sim, o gênio que até virou expressão popular). Inspirados pela independência dos Estados Unidos e pela Revolução Francesa, esses canadenses-franceses queriam mudar o jogo.

O que eles queriam? Spoiler: democracia

  1. Que os membros do conselho legislativo fossem eleitos pelo povo, e não escolhidos pelo governador como se fosse um reality show sem votação popular.
  2. Que os francófonos pudessem trabalhar no serviço público sem precisar mudar o sobrenome para “Smith” (ou seja, que não precisassem falar inglês para trabalhar no governo).
  3. Em 1834, enviaram um documento com 92 resoluções para o Rei da Inglaterra. Uma lista de pedidos que faria o Papai Noel suar.

A resposta de Londres? “Non!” ou melhor, “NO”

Três anos depois (sim, TRÊS), chega o famoso balde de água fria: as 10 Résolutions Russell. O Parlamento britânico basicamente respondeu “não” a tudo. Pior: o governo ganharia ainda mais poder para escolher os representantes. Foi o suficiente para acender o pavio.

O início do fogo: assembleias, boicotes e um figurino novo

Começam as reuniões inflamadas, os discursos ardentes e o boicote a produtos ingleses (a estilo o que estão fazendo com os carros do Elon Musk agora). Os Patriotas, inclusive, adotam um novo estilo de roupa — mais simples, longe do “look império britânico” — e transformam a moda em resistência. Le Patriote vira símbolo da luta.

O Patriota – Imagem gerada por IA baseada na imagem Le Patriote (Le vieux de 37), pintado por Henri Julien em 1904.

Entra em cena: Nelson e um bispo “do contra”

Em outubro de 1837, mais de 5.000 pessoas se reúnem em Saint-Charles-sur-Richelieu. Papineau discursa, mas quem rouba a cena é Wolfred Nelson, um médico nascido em Montréal com sangue americano correndo nas veias. Ele defende a revolta armada. E Papineau? Prefere a retórica.

Enquanto isso, o bispo de Montréal, Jean-Jacques Lartigue — pasmem, tio de Papineau — orienta os fiéis a obedecer a coroa britânica. Clima de família? Só no Natal.

Batalhas e derrotas: um início promissor… e um fim amargo

A primeira batalha, em Saint-Denis, termina com vitória dos Patriotas. Uhul! Mas… dura pouco…

Saint-Charles: onde o entusiasmo dos Patriotas tropeçou na realidade

Depois da vitória animadora em Saint-Denis, os Patriotas estavam se achando. “Agora vai!”, pensaram. Adivinha? Não foi. Veio então a Batalha de Saint-Charles, no dia 25 de novembro de 1837, e o que parecia ser o início de uma revolução virou um banho de água fria (e de pólvora).

Os Patriotas, liderados por Thomas Storrow Brown, fortificaram Saint-Charles como deu: trincheiras meio improvisadas, algumas barricadas de madeira e muita fé no coração. Do outro lado, os britânicos chegaram com mais organização, mais armas e mais soldados. Era tipo um jogo entre time amador e seleção profissional.

Quando os tiros começaram a cantar, não teve muito tempo pra discurso inflamado. Os Patriotas tentaram resistir, mas foram rapidamente superados.

Como se não bastasse, depois da batalha, os leais à Coroa ainda saquearam e incendiaram o vilarejo. Um belo “presente de despedida”.

Foi ali, em Saint-Charles, que muitos perceberam que a luta ia ser bem mais dura do que o previsto. Mas, como bons québécois, eles não desistiram fácil. Eu já vi esse ditado em outro local….

A batalha de Saint-Eustache

Era 14 de dezembro de 1837. Um grupo de mais de 200 Patriotas decidiu transformar a imensa igreja de pedra da cidadezinha de Sainte-Eustache (próximo a Montréal) no quartel-general da resistência. A lógica era simples: paredes grossas + vitrais bonitos = fortaleza perfeita. Mas esqueceram de um detalhe: canhões britânicos.

O exército do general Sir John Colborne apareceu com mais de 1.500 soldados, artilharia pesada e cara de poucos amigos. Resultado? Tiros de canhão direto na fachada, fogo por todos os lados e Patriotas tentando rezar e recarregar ao mesmo tempo. Spoiler: não deu bom. A maioria morreu ali mesmo ou foi capturada.

A igreja sobreviveu (mais ou menos), e até hoje carrega marcas de bala e canhão nas paredes — como se dissesse: “Eu estive lá”. Virou símbolo de resistência e museu involuntário da revolta.

Ainda é possível ver, na Igreja de Saint-Eustache, marcas de canhão em suas paredes. Também há um monumento dedicado aos Patriotas. Foto de Vincent Poirier, CC BY-SA 3.0, disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=23721041.

Saldo final das batalhas: mais de 100 Patriotas mortos (35 na Batalha de Saint-Charles e 70 na batalha de Saint-Eustache), Papineau e Nelson fugindo para os EUA, e o governo colonial implantando Lei Marcial.

Enquanto os Patriotas perdem terreno, segundo a Encoclopédia Canadense, os leais à Coroa saqueiam vilarejos francófonos.

E o Alto Canadá? Também quer brincar

Inspirados pelo caos no Baixo Canadá, os radicais do Alto Canadá (hoje Ontário) também se rebelam. Liderados por William Lyon Mackenzie, tentam sua própria revolução — com direito a sincronização de agendas com os Patriotas. Mas, spoiler: também fracassam.

O retorno de Nelson: uma república por 15 minutos

Em 1838, com Papineau em modo paz e amor, Robert Nelson (irmão de Wolfred) assume a liderança. Em 28 de fevereiro, ele invade o Baixo Canadá com 400 homens, proclama a República do Baixo Canadá e se autoproclama presidente.

A nova república prometia:

  • Liberdade de imprensa
  • Voto universal masculino (21+)
  • Separação entre Igreja e Estado
  • Educação pública
  • Fim do regime senhorial
  • Direitos iguais para povos indígenas

Utopia? Talvez. Pena que o exército americano o prende logo depois por violar a neutralidade. Mas ele é libertado — aparentemente, fez amigos no sul.

Último suspiro: Frères Chasseurs e a Batalha de Odelltown

Nos meses seguintes, Nelson funda a sociedade secreta Frères Chasseurs e recruta combatentes. Em 9 de novembro, com 600 milicianos, tenta a última cartada em Odelltown. Contra 1.000 soldados britânicos, o fim é previsível: derrota, fugas e fim oficial da rebelião.

E depois? Relatório, forca e um certo “je ne sais quoi

O Império envia o Lord Durham para investigar. Seu relatório recomenda unir Baixo e Alto Canadá e assimilar os francófonos. Ironia: isso abriu caminho para que o francês fosse eventualmente aceito no parlamento. Vai entender.

Mas a repressão foi brutal:

  • 105 mortos em combate (73 Patriotas, 32 leais)
  • 12 patriotas executados
  • Em 1839, cinco patriotas enforcados publicamente em Montréal

Em 1845, os sobreviventes recebem anistia. Papineau retorna, volta à política como deputado independente, mas seu protagonismo já tinha passado.

Durante todo o conflito, 33.000 homens lutaram pela Coroa e cerca de 4.000 pelos Patriotas.

Patriotas: feriado, orgulho e… expressão popular

Desde 2003, na segunda-feira anterior ao 25 de maio, Québec celebra a Journée nationale des Patriotes, no mesmo dia da Fête de la Reine no resto do Canadá. Coincidência? On ne pense pas.

E tem mais: se você ouvir alguém dizer “Ça ne prend pas la tête à Papineau” — significa algo como “não precisa ser nenhum gênio (como Papineau) pra entender isso”. Sim, o cara virou até referência cultural!

Louis-Jospeh Papineau. Por William Notman. Domínio Público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=11405352

Aliás, o grupo Les Cowboys Fringants até fez uma música com esse nome. Confere aqui: YouTube

Quer mais detalhes? Há alguns anos atrás o Québec em Foco publicou o mega artigo que você pode encontrar aqui. Ou, se você prefere ouvir ou assistir, escute o nosso podcast ou veja o nosso vídeo sobre As Rebeliões Patriotas aqui na página. Não esquece de curtir e se inscrever em nossa newsletter semanal para não perder mais curiosidades históricas sobre o Québec.


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William é brasileiro, nascido na cidade de Feliz, no interior do Rio Grande do Sul. Mora em Québec desde 2019 e é estudante de História, Arqueologia e Ciências da Religião pela Universidade Laval, de Québec. Também possui formação na área de tecnologia e de línguas antigas. É o apresentador do canal Québec em Foco no YouTube e também do Café com História do podcast Conexão Québec.

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