História
A ponte de Québec e seus trágicos acidentes
Considerado um dos principais cartões-postais da cidade, a ponte é tida como a mais importante obra da engenharia civil canadense.

Considerado um dos principais cartões-postais da cidade, a Ponte de Québec é tida como a mais importante obra da engenharia civil canadense.
A famosa Pont de Québec é uma maravilha da engenharia moderna. Antes dela, viajar entre Québec e Lévis, do outro lado do rio, era possível de dois modos: através do barco (uma balsa, por exemplo) ou, durante o inverno, de carroça através do rio congelado.
Se hoje as autoridades canadenses discutem a possibilidade de uma terceira via que permita a travessia de Québec à Lévis aliviando os congestionamentos em horário de pico, há algum tempo, tiveram que lidar com problemas bem mais graves e que envolveram a construção da famosa ponte que une as cidades. Afinal, em um passado não tão distante, dois grandes acidentes que aconteceram na estrutura que cruza o rio Saint Laurent marcaram a história do país.
O acidente de 1907
A ponte de Québec (aquela de ferro, ao lado da Pierre-Laporte) começou a ser construída em 1903. Em 29 de agosto de 1907, já nas etapas finais da construção, aconteceu o primeiro acidente, considerado um dos mais graves sinistros da engenharia mundial. Na ocasião, o vão sul da estrutura (composta por imensas pilastras metálicas) desabou, matando 75 operários que trabalhavam no local.

De acordo com um artigo no jornal Le Soleil, no dia do ocorrido, Norman McLure, gerente local do projeto, estava em Nova York para debater a situação da obra com Theodore Cooper, projetista da ponte. Eles discutiram sobre as observações apontadas pelos operários de que as estruturas metálicas já apresentavam danos, antes mesmo do encaixe do vão central.
“Curvas metálicas perturbadoras foram observadas na estrutura. Cooper, que nunca se preocupou em vir supervisionar o trabalho em Québec, alegando estar doente, percebeu que as coisas não estavam mais indo bem…” – Michel L’Hébreux, Le Soleil.
Theodore, que nunca havia ido pessoalmente ao local, ficou preocupado com os relatos de Norman e decidiu que nenhum peso adicional deveria ser posto na construção. Afinal de contas, já havia sinais de danos estruturais. Ele enviou um telegrama para outro gerente do projeto que estava na Pensilvânia, informando os riscos. Só que McLure, que também deveria ter se comunicado com Québec, esqueceu de transmitir a ordem. Aí já sabe… o pior aconteceu.

O inquérito sobre o primeiro acidente
O jornal Le Soleil publicou que, em 10 de março de 1908, uma Comissão Real de Inquérito foi nomeada para descobrir o que tinha provocado a primeira tragédia. A comissão foi composta pelos engenheiros e professores universitários Henry Holgate , JGG Kerry e John Galbraith. Ela divulgou um relatório que revelou as causas assustadoras do episódio.
Segundo o documento, os motivos do acidente envolviam atos de imprudência e negligência dos responsáveis pelo projeto. Havia indícios de que os engenheiros tinham avaliado de forma inadequada o metal utilizado na obra, bem como haviam desprezado a comunicação eficaz. Somando-se a isso, faltava a supervisão no local da parte dos projetistas. Esses erros somados resultaram em um fato sem precedentes no Canadá.
Ao fim das investigações, a Comissão responsabilizou dois homens pelo incidente de 1907:o engenheiro consultor, Theodore Cooper, e o engenheiro-chefe de projeto da Phoenix Bridge Company, Peter L. Szlapka. Mesmo assim, ambos não sofreram sanções penais.
O acidente de 1916
As obras preparatórias da ponte de Québec foram retomadas em 1908, desta vez sob a responsabilidade da empresa St. Lawrence Bridge Co. A nova fase da construção incluiu a montagem da superestrutura entre os anos de 1913 e 1916, adotando um sistema estrutural em “K” — um tipo de treliça metálica considerado mais eficiente, elegante e de montagem simplificada. A expectativa era grande para a conclusão da obra, especialmente após o trágico colapso de 1907.
Então, no dia 11 de setembro de 1916, quando o vão central era novamente erguido, o pesadelo voltou a acontecer. Uma multidão de dezenas de milhares de pessoas havia se reunido para assistir ao içamento do vão central da ponte. Repentinamente, a estrutura começou a se retorcer e desabou de forma estrondosa nas profundezas do rio Saint Laurent. Dessa vez, 13 trabalhadores acabaram perdendo as suas vidas.
Estávamos em plena Primeira Guerra Mundial. Na época, cogitou-se que o segundo acidente poderia ter sido provocado por algum tipo de sabotagem fomentada pelos alemães. No entanto, novos laudos técnicos comprovaram que a causa do problema foram os equipamentos utilizados durante o içamento da estrutura. Uma falha no molde de um suporte foi identificada como a causa do acidente, que resultou na morte dos 13 trabalhadores, além de outros 14 feridos.

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Apesar do novo revés, os engenheiros e operários não desistiram. Uma nova peça central foi construída. Rebocada por sete embarcações, ela deixou a ancoragem em Sillery no dia 17 de setembro de 1917 e foi içada a mais de 45 metros de altura. Três dias depois, foi finalmente conectada aos braços em balanço da ponte. Em um momento simbólico e comemorativo, um dos operários se adiantou sobre uma das vigas e dançou uma gigue para o público. Pouco depois, as obras avançaram rapidamente com a instalação das duas vias férreas. Um trem especial percorreu o trajeto Québec–Lévis em 17 de outubro de 1917, e a ponte foi oficialmente inaugurada pelo príncipe de Gales em 22 de agosto de 1919.
Finalmente, depois de um histórico de falhas, custando 25 milhões de dólares americanos e um total de 88 vidas perdidas, uma primeira via para automóveis foi aberta ao tráfego em 1929. Com 4,27 metros de largura, ela permitia que os carros se cruzassem, embora fosse necessário interromper o tráfego em um dos sentidos sempre que um ônibus ou caminhão mais largo passava. Já em 1948, uma das vias férreas foi removida e a outra realocada, possibilitando o alargamento da pista para 9,15 metros. Essa nova configuração foi oficialmente inaugurada em 1952.
Em 2025, a ponte de Québec completará 96 anos de funcionamento, ostentando o título de maior vão central de ponte em balanço do mundo, com os seus 549 metros de comprimento.
Um novo elo entre Québec e Lévis
Hoje em dia, a ponte de Québec e sua vizinha, a ponte Pierre-Laporte, inaugurada em 1970, continuam a servir a população do Québec. Apesar disso, nos últimos anos, os representantes do atual governo têm discutido a possibilidade da construção de uma terceira via de tráfego. O objetivo é viabilizar um novo elo de comunicação entre Québec e Lévis.
De acordo com o próprio governo, em anúncios realizados em meados de 2024, isso poderia melhorar a questão da mobilidade entre as cidades. A gestão se diz preocupada com a questão do trânsito e também com a capacidade de carga da ponte quase centenária. Em junho do ano passado, as ideias dos projetos foram apresentadas pela Ministra dos Transportes de Québec, Geneviève Guilbault, e pelo Primeiro Ministro de Québec, François Legault.
“O que a CDPQ Infra está propondo é construir uma ponte ou um túnel, então, a priori, estamos interessados em uma ponte para o leste”, François Legault, Le Journal de Québec.
Contudo, um artigo publicado pelo Journal de Québec, questionou as “meias verdades” utilizadas pelos ministros para justificar a construção de um novo elo de tráfego. De acordo com o artigo, as imprecisões apontavam divergências entre os custos, entre as soluções para alívio dos congestionamentos e também sobre a possibilidade de utilização de transporte público na nova via, por exemplo.
De qualquer maneira, ainda em outubro de 2024, o governo provincial deu prosseguimento as suas ideias para uma terceira ligação. Desse modo, o Ministério de Transportes e Mobilidade abriu uma chamada internacional para empresas interessadas em refinar os projetos e executar a obra, que poderá ser uma nova ponte ou um túnel e incluir, ou não, os transportes públicos. Além disso, o objetivo é transformar esse plano em algo irreversível, obrigando os próximos governos a concluí-lo.
Você sabia?
A ponte de Québec é imensa! Não apenas pelo seu comprimento e peso, mas também, pela sua largura. Ela estende-se sobre o rio Saint Laurent e possui 67 pés de largura (cerca de 20m). O seu vão central tem 1.800 pés (cerca de 548m) em balanço e está a 150 pés (cerca de 45m) acima da água, o que permite que as embarcações de grande porte possam passar por baixo da sua estrutura.
Graças à ponte, Québec se tornou um centro nacional de transporte no Canadá. Isso porque a estrutura permitiu que a cidade tivesse uma ligação direta entre os Estados Unidos e acosta sul do rio Saint Laurent. No ano de 1987, a obra recebeu o título de Marco Histórico Internacional de Engenharia Civil pela Sociedade Americana e Canadense de Engenharia Civil. Em 1996, o governo do Canadá também a declarou como um Sítio Histórico do país e a reconheceu como a mais importante obra da engenharia civil nacional.
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Fontes e Referências Bibliográficas
InfrastructureDisaster – Quebec Bridge 1907, British Colúmbia/Yukon Pressbooks, acesso em 4 de abril de 2025. Disponível em: https://pressbooks-bccampus-ca.translate.goog/engineeringinsociety/chapter/infrastructure-disaster-quebec-bridge-1907/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc
Troisièmelien et tramway: 7 demi-véritéspropagées par la CAQ, Le journal de Québec, acesso em 5 de abril de 2025. Disponível em: https://www.journaldequebec.com/2024/06/19/troisieme-lien-et-tramway–verification-des-faits
Un 3e lien pas nécessairement à l’est avec du transport collectif…ou pas. Le journal de Québec, acesso em 8 de abril de 2025. Disponível em: https://www.journaldequebec.com/2024/10/11/un-3e-lien-pas-necessairement-a-lest
Rapport dévastateur sur l’accident de 1907. Le Soleil, acesso em 8 abril de 2025. Disponível em: https://www.lesoleil.com/2017/09/08/rapport-devastateur-sur-laccident-de-1907-8d3bdc6cfa01ecc7ae92a2afe65662b0/
TARKOV, John. “Um desastre em formação”, American Heritage of Invention & Technology 1 (primavera de 1986): p.10-17.
Pont du Québec. Prefeitura da Cidade de Québec. Disponível em: https://www.ville.quebec.qc.ca/citoyens/patrimoine/archives/pages_histoire/pont_de_quebec.aspx#. Acesso em: 14/04/2025.