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Imigração

Micos de Imigrante: pedindo comida no restaurante

Tudo o que você sempre quis saber sobre as histórias que todo imigrante raiz passa, mas que nega até morrer. No primeiro episódio, conheça a história do primeiro pedido de comida de um imigrante brasileiro recém-chegado nas terras gélidas de Québec.

Fábio De Almeida

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Homem em uma fila comprando comida em uma rede de fastfoods

Tudo o que você sempre quis saber sobre as histórias que todo imigrante raiz passa, mas que nega até morrer. Neste episódio de estréia, conheça a corajosa história de um recém-chegado que teve a ousadia de fazer um pedido de lanche, em francês, vejam só, num self-service de Québec.

Recém-chegado no congelador, também conhecido por Québec, o imigrante foi se aventurar no shopping com a família. Você poderia logo perguntar:

– Nossa, que coisa mais inesperada! Ahhhh, menos, tá, menos…pára de mimimi…

Você realmente tem razão, não há nada demais nisso.

Aqui cabe a visualização de uma curta e metafórica cena: manja um gago, usando dentadura frouxa, entalado com uma bala soft, nervoso e com sotaque de carioca, cheio daqueles “x”? Pois é, este era o ‘nivelzinho’ do francês do tal imigrante

No início, quando a gente desembarca na terrinha, tudo é novidade, tudo é festa, tudo é lindo e deslumbrante, né? Nem tanto.

Agarrado na esposa mais do que político nas rachadinhas de fim de mandato, ela era o seu porto seguro. Esperta, se bobeasse vendia até neve pra québeco.

Na área de alimentação do shopping, o imigrante ficava observando aquela gente indo pra lá e pra cá conversando numa língua incompreensível – dizia-se que era francês, mas ele tinha lá suas dúvidas.

Até que bateu aquela fominha típica de imigrante. Olhou pra esposa e caiu na asneira de comentar:

– Mô, tô com fome…

A resposta não poderia ser mais sutil, paciente, gentil, quase romântica:

Ah, é? E o kiko? [tradução: e eu com isso?] Vá lá comprar algo! Que coisa; fica dependendo de mim pra tudo. Você já é bem grandinho.

Pãmpãmmm, Pãmpãmpãrãrããara, Pãmpãrãnnnnrã, Pãmpãrãnnnnrã…

Finja que está ouvindo aquela música do Super-Homem no momento em que ele se dá conta que acabou de tomar uma colherada de sopa de feijão com kriptonita…

Atacado na sua mais ancestral virilidade e retirando forças não se sabe de onde, o imigrante falou:

Tá bom, amor, você tem razão…

Eu sempre tenho razão.

Isso, isso, era o que ey ia dizer…

Tomado por uma coragem inabitual, levantou-se e se meteu a caminhar. Porém, não andou mais do que uns poucos metros e bateu aquela insegurança gigantesca. No reflexo, deu aquela olhadinha pra trás por cima do ombro e só viu a linda esposa fazer sinal com a mão como que querendo empurrá-lo (ou seria varrê-lo?):

Vai, vai, vai, não fique me olhando, que coisa…

Não podia mais recuar. Lentamente, foi caminhando para a área da comilança. Quanto mais se aproximava, mais via as filas e menos conseguia segurar as pernas que tremiam.

– VOCÊ É O CARA, é highlander total, guerreiro imortal, você é um sobrevivente, um leão brasileiro [leão no Brasil? só se for mico-leão-dourado]. VOCÊ É O CARA...

Repetia mentalmente este mantra que lera num livro de autoajuda para imigrantes desesperados.

E não é que isso o ajudou? Pois ele escolheu inteligentemente o A&W, um genérico do McDonalds, onde tudo é vendido em combos identificados por números:

Combo nº 01 – IMC de cochon pré-abate;

Combo nº 2 – Master Chef de boi castrado e bombado no Whey protein;

Combo nº 3 – Carne de jacaré vacinado e vegano;

…e assim por diante.

– [pensou] Lanchonete escolhida, agora é só escolher um número…

Nessa hora, o Santo Padroeiro das Causas Perdidas que acumulava o cargo de Patrono dos Imigrantes Abestalhados, dá uma mãozinha providencial, deixando a fila estava no ponto, nem longa nem pequena, dando tempo pra ele elaborar a frase-padrão do pedido do sanduba.

Chega a sua vez…

Putz, mulher! [fala com ele mesmo, já com sinais de pavor].

Latino que é latino fica sempre na defensiva quando se depara com um ser mais evoluído. Pra sua sorte a recepcionista tinha a cara da Dona Benta.

– [começa e mentalizar o mantra] CHEGOU A SUA HORA, vai lá e mostre pra esta quebeca que você não é um imigrantezinho que fala igual uma samambaia de plástico do Dollarama. VOCÊ É O CARA. Ela é uma velhinha inofensiva. E VOCÊ O LOBO MAU.

Lembrou na hora de um filme do Van Dame: Retroceder, nunca; Render-se, jamais, e sem respirar, soltou a frase num francês de dar inveja na Celine Dion:

– Bonjour, Madame, Je voudrais le numéro 1, s’il vous plait!

A Dona Benta do Québec ouviu e num tom amigavelmente constrangedor, disse: 

Ok, Monsieur. [e começou a digitar o pedido].

O coração do imigrante parecia querer sair pelo buraco…da orelha. Ele se sentia um Bandeirante desbravador, superando seu medo e a sua timidez macho-linguística.

De repente, um terrível acidente acontece….

Aquela doce senhora, com seu angelical sorriso, se transformou na Annabelle numa versão femme québécoise. Do nada, e olhando fixamente nos olhos do apavorado e estupefato imigrante, ela disse num tom megamente maléfico:

– Et pour breuvage, Monsieur?

Sabe quando você está distraído, em pleno janeiro, com verglas partout, e toma um escorregão monstro e pensa que alguma coisa desparafusou no seu corpo porque os seus pés aparecem encostados nos seus ombros e sua cabeça vira pra trás como no Exorcista, sabe como? Foi esta a sensação do imigrante.

Seu cérebro não processava nada com coisa nenhuma, seus dois neurônios, o FER e o ROU, estavam paralisados. Segundos que pareciam horas.

A Anna-Benta do A&W o fuzilava com seus olhos de Nestor Cerveró, revirados e avermelhados, e antes que ela atacasse aquele inofensivo imigrante, o seu instinto de sobrevivência se encarregou de produzir uma frase de defesa:

– Pardon, Madame. Je n’ai pas bien compris.

BRUMM, VOPLT, TRANC…Retransformada na doce Dona Benta, a atendente repetiu, ou melhor, soletrou calmamente:

– E t    p o u r    b r e u v a g e,   M o n s i e u r  ???

As pernas não respondiam ao que sua cabeca mandava fazer: 

CORRA ABESTALHADO! CORRA PRA SAIA DA SUA ESPOSA!

Ele sabia: em questão de segundos um tsunami avassalador de marde chegaria (ou desceria) jambes abaixo.

Mas naquele momento tudo se iluminou.

Antevendo a vergonha iminente que o intestino do imigrante provocaria nas suas calças Urban Planet, a amável recepcionista, incorporada pela Madre Therese de Limoilou, resolveu usar um gesto há muito esquecido na poeira da história.

Elevando a mão direita para o alto, com o polegar imitou alguém que está pedindo para beber algo, e repetiu A Iluminada atendente:

– Et pour boire, mon cher Monsieur? C’est pour apporter ou manger icitte?

Final desta história antazoológica de imigrante.

Se você, caríssimo ou caríssima leitora, tem alguma história deste tipo pra contar, voilà, estamos aqui para ouvi-la e recontá-la. Dê o primeiro passo. Coragem! Prometemos que seu nome, endereço e NAS serão omitidos. Só não prometemos ficar sem rir, táokei? Veja outros micos clicando aqui.

Como diz a Mocidade, "sonhar não custa nada e o meu sonho é tão real..." Sou um resiliente imigrante e commis pra toda obra. Não rir e não tomar sustos são meus maiores desafios. Se creio em algo? Claro, em você ser humano. Defeitos? Só um, ser flamenguista. Isso não é defeito? Então sou a perfeição em forma de Fábio! Faça o bem, não importa como, quando, onde e a quem. Apenas faça o bem.

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2 Comments

2 Comments

  1. Avatar

    João Inácio cunha Moura da graça

    02/08/2021 at 07:18

    J’ai aimé beaucoup cette histoire. J’ai beaucoup ri de m’imaginé dans la même situation . Felicitation !!!!

    • Fábio De Almeida

      Fábio De Almeida

      09/11/2021 at 11:36

      E aê, João, na paz?
      Então…esta situações fazem parte realmente da vida cotidiana de um imigrante. Das duas uma, ou a gente aprende a rir delas ou vai chorar até desidratar.
      Obrigado pelo comentário (e desculpe pela demora na resposta, viu?)
      A+

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